Tenho saudades...
A Mãe da Catarina
01.02.20
Tenho saudades...
... de chegar a casa e correr para casa da avó e ver-te deitada no sofá de telemóvel na mão, que baixavas assim que me vias, ver o teu sorriso luminoso e ouvir “olá mamã, já chegaste?”, numa voz tão doce que soava à mais linda das melodias. De olhar para o lado e ver o avô, sentado e envolto em palavras cruzadas e ouvir “atão filha”, na voz mais rouca e bela que me lembro de ouvir.
... de 24 horas não chegarem para tudo o que tínhamos para fazer.
... de sair do trabalho a correr para te ir buscar a casa e deixar-te no Ballet.
... de esperar uma hora, uma hora e quinze minutos, uma hora e meia, por ti, no Inverno, ao frio, e de estar tão gelada que as mãos doíam ao tocar no volante.
… ou de esperar, o mesmo tempo, com um calor infernal e sair do carro com a roupa, completamente colada ao corpo.
… de te ir buscar aos ensaios no Teatro Garcia de Resende, a tua segunda casa como dizias, e de ver o teu sorriso rasgado, tão rasgado como as tuas meias, e os olhos a brilharem mais que diamantes.
… de entrares no carro e falares com tanto entusiasmo dos ensaios que tropeçavas nas palavras e me deixavas zonza e sem perceber quase nada.
… de te deixar no Teatro para o ensaio geral e não saber a que horas estarias despachada.
… de correr para o carro assim que ligavas para te ir buscar.
… de te tentar acalmar a excitação do ensaio para que dormisses e pudesses descansar.
… do corre/corre do primeiro dia de espectáculos.
… de te ver entrar em palco e sentir o coração a bater com toda a força e as lágrimas a caírem pelo meu rosto.
… da tua felicidade enquanto dançavas e da leveza e ligeireza com que o fazias, qual borboleta num jardim cheio de flores.
… de te ir buscar à porta dos camarins e chegar a casa e reconfortar-te porque já tinha terminado e querias mais.
… das reuniões de pais, que detestava, mas que me deixavam cheia de orgulho da minha menina.
… de chegar a casa com cara de zangada e ver-te ansiosa por saberes o que me tinham dito na reunião e ver o teu semblante mudar e iluminar-se quando te dava os parabéns pelas tuas excelentes notas.
… de te ver estudar, durante 15 minutos, a olhares para a televisão ou a sonhares com unicórnios ou outra coisa qualquer.
… das nossas caminhadas.
… da recriação do filme “It” quando passávamos por poços.
… de ter de voltar atrás para te ir puxar por um braço porque eu andava muito depressa e tu custavas a acompanhar o meu passo.
… das tuas comichões nos pés assim que começávamos a caminhar.
… das músicas que cantávamos.
… das histórias que inventávamos.
… de acordares e vires aninhar-te em mim no sofá.
… das nossas séries preferidas.
… das nossas sessões de cinema, com pipocas à mistura, em dias chuvosos e cinzentos.
… dos nossos passeios em dias de sol.
… das nossas sessões de selfies.
… de escolhermos o local onde íamos almoçar e ver a tua cara de felicidade ao devorares o que havias pedido ou tinhas ido buscar.
… das nossas 10 000 voltas ao Plaza só porque te apetecia passear por lá.
… de entrarmos nos provadores, lado a lado, e experimentarmos um montão de roupa e sairmos ao mesmo tempo para mostrarmos uma à outra como nos ficava a roupa.
… de contar vezes e vezes sem conta a mesma história de quando eras pequena e ouvir a tua gargalhada.
… de te ouvir contar os dias para o teu aniversário ou para o Natal.
… de te ver mergulhar e nadar como uma sereia.
… das nossas conversas antes de adormecer.
… das nossas parvoíces antes de adormecer.
… de adormecer ao teu lado de mão dada e pé no pé.
… de te ouvir chamar “mãe” e “oh mãe”.
… de saltarmos nas ondas e rirmos à gargalhada, como crianças de 4 anos.
… de sacudir a areia da tua toalha de 5 em 5 minutos e de te dizer, entre gargalhadas, que parecias um croquete.
… de corrermos atrás do senhor das bolas de Berlim e, depois, nos sentarmos a saboreá-las como se fossem a melhor coisa que já comemos (e naquele momento era mesmo).
… do regresso a casa, cheias de sal, areia e cansaço a cantar as nossas músicas.
… de jantarmos no quintal, com o avô.
… das nossas sessões de dança, depois dos jantares no quintal.
… do cheiro da Feira de São João.
… de irmos à Feira todos os dias sempre com o entusiasmo do primeiro dia.
… de deitar a cabeça no teu colo e sentir que todos os problemas desapareceram.
… de dormitar no sofá e ouvir os teus pés a tocar o chão, enquanto dançavas.
… de ficar tempo sem fim a olhar para ti enquanto dormias.
… de te pegar ao colo e levar para a cama.
… de percorrer as ruas do “nosso” Porto e te contar as histórias de quando lá vivemos.
… de andarmos vestidas de igual.
… de caminharmos lado a lado e dizerem que parecemos irmãs, e do teu abraço e sorriso quando o diziam (não sei qual de nós duas gostava mais desta comparação).
… do “vai tocar a fogo” que o avô dizia num tom bem-disposto e carinhoso como só vocês os dois conseguem.
… dos teus passeios com o avô, de me contares tudo o que fizeram e de reviver, através das tuas palavras, aquilo que eu já vivera com ele.
… da felicidade que sentia por saber e ver que o avô era para ti o que sempre foi para mim, sem distinção. Porque tu és igual a mim e és, para o avô, a filha criança, pela segunda vez.
… de saber e sentir que gostas tanto do avô como eu, e que a mesma cumplicidade que eu sempre tive com ele.
… tenho saudades…
… tenho saudades de tudo isto, e muito mais…
… tenho saudades do avô…
… tenho saudades tuas…
… tenho saudades nossas…
… tenho saudades dos nossos sorrisos…
… tenho saudades da vida.
Obrigada!
Amo-vos!
Amo-te… para além da vida e muito mais além.
🦄 “Basta acreditar para que existam”... Catarina Matos
#eutenhoabailarinamaislindadomundo